20 de novembro de 2008

VÔO

Quando você acreditar
Que é livre e pode
Empreender o vôo da realidade
Procure não pensar
Nas correntes da consciência (Limeira, 1978)

A aparente abolição oficial da escravatura no Brasil está envolta de uma constante na nossa história: O aval de quem detém o poder! Não desmereço todos os movimentos, revoltas e atos que os escravos articulavam a favor da sua liberdade, porém, não sendo mais escravo, através de uma lei isolada, o negro desaparece como raça e passa a ser denominado como operário ou camponês.

Por um longo período de tempo o negro se tornou invisível, indiferente a qualquer política de inserção social, estatísticas oficiais, por isso, não figurava como um problema social ou cultural. Nos versos do poeta baiano José Carlos Limeira Vôo, nos é dada a idéia de que a abolição só será realmente conclusa quando houver uma tomada de consciência por parte da comunidade negra. É a consciência que liberta para a luta, que preserva a memória de um povo e busca soluções para seus entraves. Preservar a memória é uma das formas de construir a história.

A luta pela consciência negra é fruto de um histórico de movimentos sociais que buscam sua identidade. O resgate da memória do povo negro é estratégico contra o limite “vampiresco”, por não reconhecer sua própria imagem diante do espelho e adotar aquilo que a ‘história dos vencedores’ havia imposto.

Dia 20, dia da Consciência Negra é um marco simbólico de representação da luta de todos e todas que atravessaram o Oceano Atlântico dentro dos porões do inferno de um navio negreiro até os recantos, esquinas, porões da vida cotidiana dos pretos e pretas deste país. O dia 20 de novembro é justamente o dia da morte de um dos maiores líderes da resistência negra no Brasil, Zumbi dos Palmares. Zumbi fora criado desde pequeno pelo padre Antônio de Melo, em Recife, que, ao batizá-lo, deu-lhe o nome de Francisco. Recebeu noções de latim e conhecia bem o português. Aos 19 anos, Zumbi, fugiu para o Quilombo dos Palmares e lá se tornou general para liderá-los na luta pela liberdade. Isso tudo ocorrera por volta do século XVII, e por muito tempo, após sua morte, a memória de Zumbi fora deixada de lado, e agora retomada como símbolo de uma luta que atravessa os séculos.

A história de Zumbi no imaginário brasileiro por vezes perpassa por uma lenda, mas ele representa os movimentos que lutam contra a discriminação racial e as desigualdades sociais. A garantia de continuidade de um sonho, de esperança de uma sociedade mais justa, na qual as diferenças não sobreponham o direito. Na Semana que destaca o dia da Consciência Negra, vêm à tona inúmeros fatos que marcaram a efetivação desse calendário nacional: a luta contra a escravidão; contra a dicotomia do “superior” (branco) e “inferior” (negros); contra a idéia de branqueamento e mestiçagem proposta pelos intelectuais brasileiros; contra o racismo, a discriminação, o preconceito e a falsa democracia racial. A luta do Movimento Negro pelo fim do racismo, intolerância, xenofobia e pela igualdade de direitos é o marco dessa data.

Em 1978 o Movimento Negro Unificado incorporou a data de assassinato de Zumbi como celebração nacional. Em 2003, a lei 10.639, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estabeleceu a data como parte do calendário escolar brasileiro. A mesma lei também tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

Atualmente no Brasil, segundo levantamento da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial cresceu o número de cidades que comemoram o Dia da Consciência Negra como feriado. De 255 municípios aumentou para de um total de 303 o número de municípios que oficializaram a morte de Zumbi dos Palmares. Das 27 capitais apenas São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Manaus (AM), Cuiabá (MT) e Maceió (AL) instituíram feriado. 5.561 municípios adotam o dia 20 como feriado. Na região nordeste onde o a maioria da população é negra ou parda, nesta data, seis cidades cumprem recesso. O Dia da Consciência Negra é marcado por manifestações, passeatas e seminários em várias cidades brasileiras.

Oficializar uma data como esta é importante para preservar a memória e instigar discussões acerca da problemática racial no Brasil. Viver este dia, ter consciência é uma questão política de afirmação da identidade negra. A importância de comemorar o dia 20 não é necessariamente a necessidade a se contrapor a outras datas como o dia 13, dia da assinatura da Lei Áurea que muitos consideram como ‘esmola’ ou um ‘desembaraço’ da princesa branca, mas porque é necessária a tomada de consciência que está nessas datas, que traz elementos da nossa história enquanto nação e contribui significativamente na construção nossa identidade.

O Dia Nacional da Consciência Negra está longe de ser só uma celebração, ainda existe um longo e árduo percurso na busca de uma sociedade mais igualitária, justa e democrática. Levar a esperança da liberdade a todos é o grande desafio, como nos versos do poema Treze de José Carlos Limeira,
no verdadeiro canto
da ABOLIÇÃO que ainda não houve. (Limeira 1978)

Por Alexandre Gouveia

Um comentário:

Anônimo disse...

é isso aí brother! O Limeira tá coberto de razão, nos libertarmos das correntes em nosso pensar, que aprisionam nossas esperanças e sonhos, impostas por séculos de selvageria em nome de uma falsa superioridade racial avocada por uns...
Liberdade, liberdade, consquistemos pois !!!

Feliz lembrança, valeu brother!!! Parabéns!